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segunda-feira, 18 de julho de 2016

Treino de força faz tão bem quanto aeróbicos, diz estudo

Os exercícios aeróbicos, como caminhada, corrida ou natação, são os mais prescritos por médicos e educadores físicos na prevenção e no tratamento de doenças associadas à obesidade e à má alimentação.
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Porém, um estudo brasileiro publicado na revista Life Sciences mostrou que a prática de exercícios resistidos em ratos – similar à musculação ou treinamento funcional em humanos – também pode prevenir alterações cardiovasculares e metabólicas induzidas por uma dieta rica em gordura.


No entanto, praticado em intensidade moderada, como foi o caso do estudo, o treinamento de força não evitou o ganho de peso.

Os experimentos com ratos foram feitos durante o doutorado de Guilherme Speretta, bolsista da FAPESP, sob a orientação de Débora S. A. Colombari, professora da Faculdade de Odontologia (FOAr) da Universidade Estadual Paulista (Unesp) em Araraquara.

“Nos animais sedentários, observamos que a dieta hiperlipídica modificou a expressão gênica, tornando-os mais predispostos à hipertensão. Já no grupo submetido ao treinamento de força isso não aconteceu – mesmo com a alimentação desbalanceada”, contou Colombari.

Em um experimento anterior, cujo objetivo foi precisar em laboratório os efeitos da dieta hiperlipídica, foram comparados dois grupos de animais sedentários.

Os ratos controle receberam a ração padrão, com quatro gramas (g) de gordura a cada 100g. Os demais receberam uma ração com taxa de gordura entre quatro e cinco vezes maior.

“À ração padrão foi acrescentada uma mistura de amendoim, chocolate ao leite e biscoitos doces – em proporções já estabelecidas na literatura científica. Isso torna a ração hiperlipídica bastante palatável e faz o teor energético saltar de 2,25 quilocalorias por grama (kcal/g) para 3,8 kcal/g”, contou a pesquisadora.

Ela destacou que essa diferença, associada à palatabilidade da dieta, simulou situações da vida moderna em que a maior ingestão calórica em crianças e adultos coloca a saúde em risco.

“Certamente a atividade física melhora o padrão cardiovascular e metabólico, mas os efeitos da atividade física necessariamente devem ser acompanhados de reeducação alimentar."

Após seis semanas, o grupo alimentado com a dieta hiperlipídica já apresentava aumento sustentado da frequência cardíaca (30 bpm) e da pressão arterial média – que estava entre 10 e 15 milímetros de mercúrio (mmHg) mais alta que a dos animais do grupo controle.

“Esse aumento na pressão arterial dos ratos tratados com dieta hiperlipídica já os torna pré-hipertensos ou mesmo hipertensos”, explicou Colombari.

Segundo a pesquisadora, porém, mais significativo foi o prejuízo observado no chamado barorreflexo – um importante mecanismo de ajuste rápido da pressão arterial existente no sistema nervoso central.

“Quando por algum motivo a pressão arterial aumenta, o barorreflexo é rapidamente ativado e induz vasodilatação nos vasos de resistência, redução no ritmo cardíaco e uma série de modificações para fazer com que os níveis pressóricos voltem ao normal. Mas, quando esse mecanismo está prejudicado, esse ajuste reflexo da pressão arterial não ocorre de maneira eficiente”, contou Colombari.

Ao analisar a expressão gênica no encéfalo dos animais, o grupo observou alterações em uma região chamada núcleo do trato solitário (NTS), muito envolvida na regulação da pressão arterial e no controle do barorreflexo.

“Nos animais submetidos à dieta hiperlipídica, houve aumento na expressão de componentes hipertensores do sistema renina-angiotensina [conjunto de peptídeos, enzimas e receptores envolvidos no controle do volume do líquido extracelular e na pressão arterial], como é o caso do receptor AT1 e da enzima conversora de angiotensina (ECA). Por outro lado, diminuiu a expressão de componentes da via hipotensora desse sistema [a via protetora], como o receptor AT2. Essa combinação tornou os animais mais propensos à hipertensão”, contou Colombari.

O efeito do treino

O passo seguinte foi avaliar o que aconteceria se os animais iniciassem o exercício resistido antes da dieta hiperlipídica e continuassem treinando paralelamente à oferta dessa alimentação desbalanceada.

O novo experimento envolveu quatro grupos de ratos: sedentários que receberam dieta padrão; sedentários com dieta hiperlipídica; treinados com dieta padrão e treinados com dieta hiperlipídica.

O treinamento consistia em escalar uma escada com um peso atado à cauda.

“Antes de iniciar o treinamento, avaliávamos a capacidade máxima de carregamento de cada animal para que todos realizassem o exercício com a mesma intensidade relativa, ou seja, entre 50% e 60% da carga máxima. Como uma das adaptações dessa modalidade de exercício é o aumento de força, realizamos novos testes a cada duas semanas para manter a intensidade relativa durante todo o período de treinamento”, contou a pesquisadora.

O treinamento ocorreu três vezes por semana, durante 10 semanas, com o objetivo de avaliar se o exercício era capaz de prevenir os efeitos da dieta hiperlipídica. Nas três primeiras semanas, todos os animais receberam a dieta padrão.

Nas sete semanas seguintes, dois grupos – um sedentário e outro ativo – passaram a receber alimentação hiperlipídica. No final, todos foram avaliados.

O aumento na massa corporal e no tecido adiposo dos dois grupos que receberam a dieta rica em gordura foi de aproximadamente 150 g ao longo das 10 semanas.

No entanto, somente o grupo que permaneceu sedentário apresentou elevação nas taxas de colesterol, glicemia de jejum, frequência cardíaca e pressão arterial média – além de redução no barorreflexo e na sensibilidade à insulina, fator que predispõe ao desenvolvimento de diabetes.

“Já o grupo que realizou o treinamento de força manteve todas essas variáveis metabólicas similares à dos animais controle, que receberam a dieta padrão (sedentários e treinados). Também a expressão gênica dos componentes do sistema renina-angiotensina no núcleo do trato solitário se manteve igual à do controle”, contou a pesquisadora.

A análise de expressão dos genes revelou ainda importante quadro inflamatório crônico no núcleo do trato solitário dos animais sedentários alimentados com excesso de gordura.

“Observamos aumento na expressão de citocinas inflamatórias, como, por exemplo, a interleucina 1β e o TNF, e redução na interleucina 10 no núcleo do trato solitário. Já nos animais treinados não foi observada essa inflamação”, disse a pesquisadora

Outra diferença observada foi na modulação simpática dos vasos sanguíneos, que é controlada pelo sistema nervoso central e estava aumentada nos ratos sedentários alimentados com dieta hiperlipídica.

Segundo Colombari, isso sugere um possível aumento da resistência periférica à circulação do sangue nesses animais, fator crucial para o desenvolvimento e manutenção da hipertensão.

“No animal treinado e alimentado com dieta hiperlipídica, a modulação simpática estava igual à do grupo controle e, muito possivelmente, foi por isso que a pressão arterial não aumentou”, avaliou a pesquisadora.

Na avaliação de Colombari, os dados apresentados no artigo reforçam a importância do exercício físico na prevenção dos efeitos deletérios causados pelos excessos alimentares.

“A maioria das pessoas costuma procurar a atividade física depois que já está doente. Nosso estudo mostra como é importante prevenir”, disse.

Segundo Colombari, a maioria dos estudos nessa área foca nos benefícios de exercícios aeróbicos, que promovem maior gasto energético e maior redução de massa corporal.

“Mas mostramos que o treino resistido também traz benefícios importantes. O ideal, obviamente, é associar os dois tipos”, afirmou.


Fonte: Exame